NOTA DA ASSOCIAÇÃO DE DOCENTES DO COLÉGIO PEDRO II.
É de conhecimento geral que a suspensão das aulas foi decretada em todos
os estabelecimentos de ensino para que houvesse menos circulação de pessoas nas
ruas e, assim, menos contaminação por COVID-19. É fato que o tempo é de
sacrifícios e espera. Com exceção do presidente da República, ninguém discorda
disso.
Já que estamos falando sobre prevenção, por que não incluir medidas que
visem à eliminação também de um outro vírus, bastante antigo, de difícil cura?
Falamos do vírus do conteudismo. O vírus, de contágio fácil e rápido, circula
nas escolas, nas residências e nos grupos de whatsapp. Ele se propaga cada vez
que alguém diz, por exemplo, “hoje não teve aula, foi só filme” ou, numa
reunião, quando um docente bastante preocupado diz "precisamos cumprir o
conteúdo”.
O desespero de cumprir o conteúdo tem feito diversos colégios, públicos
e privados, exigirem de seus
professores a produção de material didático para ser enviado aos alunos
durante o período de quarentena. Mas as aulas não estão suspensas? Não houve
até quem dissesse que estávamos de férias?* Por que temos de produzir?
A resposta é simples: nossa visão de educação ainda é conservadora. A
forma como a educação à distância (EAD) está sendo implementada pelas redes
pública e privada em tempo de pandemia é a prova disso.
Não adianta citar Paulo Freire, modificar LDB, criar leis de inclusão
cultural e social, falar sobre igualdade, pluralidade, se não conseguimos o
básico: entender que educação não é SÓ conteúdo.
O Corona vírus está nos dando uma oportunidade única de nos repensarmos
enquanto humanidade, isso inclui pensar que tipo de educação queremos no
futuro.
“É uma pena que o caráter socializante da escola, o que há de informal
na experiência que se vive nela (...) seja negligenciado. Fala-se quase
exclusivamente do ensino dos conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre
entendido como transferência do saber. Creio que uma das razões que explicam
esse descaso em torno do que ocorre no espaço-tempo da escola (...) vem sendo
uma compreensão estreita do que é educação e do que é aprender”, disse Paulo
Freire, para quem “educar exige bom senso”, entre outras coisas.
Quando o MEC elege a EAD como saída para que não haja prejuízo aos
alunos, ele não só desconsidera a realidade socioeconômica de nosso país como
também ignora que “ensinar não é transferir conhecimento mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Nos últimos dias, visitamos, virtualmente, museus, assistimos a
espetáculos de dança, teatro e música clássica. Professores fizeram lives, por
livre e espontânea vontade, em seus canais, nas redes sociais, compartilhando
diversas informações. Artistas declamaram poemas, cantaram ao vivo nas redes.
Livros (tem Paulo Freire!), filmes e músicas foram disponibilizados
gratuitamente. Para além do mundo virtual, redescobrimos a oralidade, a
culinária, os jogos, o estar em família. Assistimos à dedicação de vários
profissionais, à união e à solidariedade entre as nações.
Será que isso não é aprendizagem, não é educação?
Não somos contra o ensino à distância, muito menos defendemos a ausência
de conteúdo escolar. Porém, vivemos um momento delicado, que nos obriga a olhar
tudo de outro modo, inclusive nossa forma de educar. Pessoas adoecem a todo
momento. Precisamos cuidar de nós e dos que amamos. Isso também é aprendizagem.
Obrigar professores a produzirem conteúdo, pressionar alunos a estudarem agora
os fará adoecer. Dedique-se ao que lhe faz bem. Se lhe faz bem estudar as
matérias da escola, estude, mas por prazer, não é tempo de cobrança.
Não se permita contaminar com o vírus conteudista, com o falso heroísmo
da EAD, seja humano, seja crítico.
Alunos, responsáveis e professores, o ano letivo é corrido, estressante,
aproveitemos este momento de
forma saudável, não nos cobremos pelo que não nos engrandece. Quando o
perigo passar, nos reorganizaremos, tudo vai se encaixar e a maturidade que
tivemos para lidar com a situação nos dará orgulho.
Vamos aproveitar a travessia para alimentar nosso ser daquilo que
realmente nos importa e nos falta. Cada um sabe do que tem fome.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019. Páginas citadas: 142 e
47.
* A Diretoria e o Conselho de Representantes da ADCPII entendem que a
suspensão de aulas não deva significar antecipação de férias. Rejeitamos essa
ideia. Ter férias é um direito, deve ser respeitado. A retomada do calendário
escolar deve ser acordada, coletivamente, nas assembleias da comunidade escolar
tão logo retornemos à normalidade das aulas.
Prestamos nossa solidariedade aos colegas da rede pública e privada que,
atacados por decisões
governamentais e/ou de gerências privadas, têm sido obrigados a produzir
material, avaliar alunos e ainda
conviver com a ideal ilegal de antecipação de férias.
Prestamos nossa solidariedade também aos alunos que não têm condições
financeiras e psicológicas de
corresponder ao que uma educação conservadora e antidemocrática exige
deles.
TEXTO MARAVILHOSO.